E se disséssemos que existem fantasmas em nossas florestas? Pois não seria uma mentira, afinal espécies raras que dificilmente são vistas recebem esse título, e aqui trazemos uma espécie que faz jus ao apelido de “águia-fantasma”: trata-se do uiraçu (Morphnus guianensis), considerada a águia mais rara do Brasil.
O uiraçu é uma das mais emblemáticas águias que vivem nas nossas florestas, muito tímido, silencioso e de índole misteriosa. Vive enfurnado nas sombras das copas das árvores, embora sua aparência remeta a um jovem de gavião-real (Harpia harpyja), o que no passado gerou nomes populares como uiraçu-falso ou gavião-real-falso. Olhando de perto, a espécie tem suas particularidades, encantando quem o observa devido a sua máscara que eleva ainda mais seu caráter enigmático. No Brasil é a única das águias que apresenta mais de um padrão de plumagem, ou seja, existem “várias cores” de uiraçu. Alguns indivíduos nascem com uma mutação chamada de melanismo, quando suas penas recebem mais pigmentação de melanina que o normal, tornando-os de cor mais escura e, em alguns casos, com uma plumagem completamente negra. Todos esses fatores unidos com seus hábitos elusivos contribuem para que a espécie seja de difícil detecção, o que consequentemente a torna pouco conhecida pela maior parte da população.
Desde 2006 o Projeto Harpia realiza o mapeamento de registros da espécie ao longo de sua distribuição no Brasil e faz o monitoramento de ninhos no país. Globalmente ameaçado de extinção, nos períodos atuais a sua situação pode ser ainda mais crítica. Ainda não se conhecem ninhos fora da região amazônica e, até onde se sabe, as árvores com ninho criteriosamente escolhidas podem ser facilmente impactadas pelo desmatamento e queimadas. Na Mata Atlântica e Cerrado seus registros são ainda mais escassos e, embora o projeto tenha encontrado algumas áreas com populações, a condição é ainda mais delicada, já que pouco se sabe sobre sua biologia nesses biomas e a fragmentação de habitat atinge níveis alarmantes.
Apesar de pouco conhecido, temos aprendido muito com algumas pessoas que, fortuitamente, acabam tendo a sorte de conviver com esta enigmática águia. Muitos dos ninhos monitorados pelo Projeto Harpia foram encontrados por moradores locais, destacando a importância da comunidade na conservação de espécies tão raras e ameaçadas. Alguns nomes populares surgem nas histórias de ribeirinhos ou trabalhadores das florestas, revelando um pouco mais da sua biologia e hábitos, um deles é “gavião-preguiça” que, no norte do Mato Grosso o ornitólogo Edwin Willis descobriu que se tratava do hábito da espécie ficar por horas a fio pousado em seus poleiros; no sudeste do Pará o mesmo nome é dado por conta de sua vocalização que lembra o grito de preguiças.
Proteger o uiraçu é manter um ambiente saudável. Sendo um importante bioindicador, mesmo que em fragmentos reduzidos, a sua presença revela que o ambiente está em boa qualidade, permitindo que a espécie desempenhe um papel fundamental no controle de populações, especialmente de mamíferos como roedores, marsupiais e primatas, além de répteis, como serpentes, lagartos e aves.
Referências
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