A situação da harpia na Mata Atlântica brasileira é extremamente preocupante, sendo classificada como Criticamente Ameaçada na maioria dos estados onde é encontrada, incluindo o Espírito Santo (ES) e Bahia (BA). Apesar da Mata Atlântica ser reconhecida como um dos principais pontos de biodiversidade global, mais de 85% da floresta original foi perdida. Diante desse cenário, encontrar ninhos ativos de harpia nesse hotspot tornou-se uma tarefa desafiadora e é uma ocorrência extremamente rara.
No entanto, por meio de esforços intensivos, o Projeto Harpia conseguiu encontrar ninhos ativos de harpia em áreas protegidas no norte do Espírito Santo (ES) e sul da Bahia (BA). Esses ninhos têm sido monitorados frequentemente e um estudo foi conduzido para analisar a dieta da harpia na região. Isso é crucial, dado que a harpia está no topo da cadeia alimentar, e a perda de cobertura florestal pode afetar o equilíbrio da interação entre o predador e suas presas. Dessa forma, este estudo representa o primeiro levantamento sistemático das presas consumidas pelas harpias em seus únicos ninhos ativos conhecidos na Mata Atlântica.
Como resultado, a dieta das harpias da Mata Atlântica consistiu em pelo menos 17 espécies, sendo composta principalmente por mamíferos arborícolas de médio porte, com maior consumo de preguiça (Bradypus variegatus) e macaco-prego (Sapajus robustus). Além disso, novas espécies foram adicionadas a lista de presas da harpia, em especial, o tapeti (Sylvilagus brasiliensis), cujo gênero não havia sido documentado anteriormente.
A composição da dieta das harpias da Mata Atlântica foi um padrão semelhante ao registrado na dieta das harpias da Amazônia, indicando uma alta qualidade do habitat das áreas protegidas estudadas. Porém a maioria das espécies de presa documentadas está ameaçada de extinção e sua escassez pode significar a diminuição de recursos alimentares para a harpia, podendo interromper o fluxo da cadeia alimentar natural e causar desequilíbrio no ecossistema.
Além das ameaças enfrentadas pelas harpias devido à fragmentação florestal e à caça dos indivíduos na Mata Atlântica, elas podem estar enfrentando uma pressão ainda maior devido à ameaça de extinção de suas presas. Portanto, as ações de conservação direcionadas às harpias e seus ninhos na Mata Atlântica não apenas ajudam a proteger essa espécie, mas também podem beneficiar outras espécies ameaçadas que interagem com as harpias na relação predador-presa.
Este trabalho foi realizado pela Bióloga Mylena Kaizer, fruto de seu trabalho de conclusão de curso de graduação em Ciências Biológicas, pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pelo Biólogo Brener Fabres, mestrando em Ciências Biológicas na UFES.
Este trabalho foi publicado na Nature Scientific Reports, com o título "The prey of the Harpy Eagle in its last reproductive refuges in the Atlantic Forest", tendo como autores Mylena Kaizer, Brener Fabres, Francisca Helena Aguiar‑Silva, Tânia Margarete Sanaiotti, Alexandro Ribeiro Dias e Aureo Banhos.
Para acessar o trabalho acesse o link https://www.nature.com/articles/s41598-023-44014-9
Fotos: Leonardo Merçon e Gabriel Bonfa.